Advocacia de Massa e Predatória: O Fel que Separa o Joio do Trigo

Advocacia de Massa e Predatória: O Fel que Separa o Joio do Trigo

Postado em 17/07/2025

Por Graciliano Cintra - Advogado, Professor em Direito das Famílias e das Sucessões, Conselheiro Estadual da OAB/PE, Pós-graduado e mestre em Direito.


Da publicação do livro “Desvio produtivo do consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado” , em 2011, para cá, a famigerada da “indústria do dano moral” caiu por terra a baixo, sendo que a teoria do desvio produtivo, há muito, é amplamente reconhecida pelo Judiciário, inclusive em suas mais altas Cortes, sendo que desde 2013 o Superior Tribunal de Justiça adotou este entendimento que protege vulneráveis na relação de consumo.

A Teoria do Desvio Produtivo foi um marco na defesa do consumidor, aplicando-se ainda a vários outros campos do direito, como muito bem explicado na “Teoria Ampliada do Desvio Produtivo do Consumidor, do Cidadão-Usuário e do Empregado” , livro de 2022, também do professor Marcos Dessaune, que observou que o tempo, este valor tão importante nos tempos atuais, não é desperdiçado, de maneira indevida, apenas nas relações de consumo, mas também em várias outras relações, onde se observa discrepância de forças entre as partes envolvidas, ou seja, vulnerabilidades.

Apesar de ainda nos depararmos eventualmente com a resistência de alguns representantes do judiciário em coibir práticas abusivas que desviam o tempo útil do consumidor (cidadão-usuário e empregado), houve significativo avanço na proteção de vulneráveis, diante de uma reiterada e constante postura do Judiciário em desfavor daqueles que abusam de sua situação de poder para causar prejuízos à coletividade.

Atualmente, outra tese tem sido bastante utilizada, por aqueles mesmos que desviam o tempo útil dos vulneráveis, para apontar que a alta das demandas judiciais é culpa daqueles que procuram a Justiça, e não dos que descuidam da norma jurídica. Estamos falando da advocacia predatória.

De maneira recorrente, advogados que trabalham com ações de massa têm sofrido violações de prerrogativas, havendo uma inversão de valores, com presunção de má-fé em relação a estes causídicos.

A litigância predatória ou abusiva existe e é um dos vários problemas que nosso sistema judicial enfrenta, sendo que consiste na “provocação do Poder Judiciário mediante o ajuizamento de demandas massificadas, qualificadas por elementos de abuso de direito ou fraude” .

O cerne da questão é não olvidarmos que o problema da advocacia predatória é o abuso de direito, a fraude, a conduta antiética, e não a massificação de ações.

Infelizmente, práticas advocatícias antijurídicas ocorrem diariamente, como a captação indevida de clientela (art. 34, IV, EAOAB), propaganda abusiva (art. 40 do CED/OAB), locupletamento ilícito (art. 34, XX, EAOAB), dentre tantas outras.

Coibir tais práticas tem sido o desafio dos Tribunais de Ética de Disciplina das Seccionais e Subseccionais da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, assim como do Conselho Federal, que diariamente recebem representações, e ainda conhecem de várias questões de ofício, promovendo a fiscalização e punição dos advogados que adotarem práticas antiéticas.  

Contudo, a massificação de ações é um fenômeno decorrente de uma sociedade de massa, em que os cidadãos enfrentam, com frequência, os mesmos problemas, como recusas indevidas a certos benefícios previdenciários, negativas indevidas a tratamentos de saúde, desconto de empréstimos consignados fraudulentos, descumprimento recorrente de leis trabalhistas, dentre tantos problemas que o consumidor, cidadão, trabalhador, vêm enfrentando na atualidade.

Há uma inversão proposital de causa e consequência nos que advogam de maneira leviana contra a advocacia massificada. Imputa-se a responsabilidade da alta das demandas judiciais ao trabalhador, ao consumidor, ao beneficiário da previdência, e não aos empregadores, fornecedores e entes públicos que desrespeitam direitos do cidadão, muitas vezes de maneira calculada, contando com vários fatores como a demora do Judiciário em solucionar conflitos e em punições brandas por práticas ilícitas.

Só o INSS responde por mais de 5 milhões de ações judiciais , sendo que a grande maioria das ações é pela procedência. A culpa é do beneficiário que busca a justiça ou do Estado que não concede os benefícios de maneira administrativa?

Há uma avalanche de processos em decorrência de empréstimos consignados fraudulentos, sendo que matérias jornalísticas apontam que o esquema criminoso atingiu a alta cúpula do INSS . A existência de demandas em massa contra instituições bancárias seria também culpa dos consumidores?

Recentemente, foi noticiado no Migalhas  que um escritório de advocacia no Maranhão, acusado de advocacia predatória, levou mil clientes para conhecer o juiz que acusava o escritório de práticas abusivas por demandas em massa.

Neste mesmo artigo acima citado, conta-se a história do advogado e professor Vinícius Melo, que acusado pela parte adversa de litigância predatória, expôs que o advogado que assinava as peças de defesa da parte contrária, um dos maiores escritórios do país, era sempre o mesmo (impossível um advogado ler e assinar tantas ações), e que as defesas sempre constavam – de maneira padrão – uma preliminar de advocacia predatória, com pedidos de ofício ao Ministério Público e à OAB.

A grande ironia do caso é que o Dr. Vinícius estava realizando a audiência (virtual) da casa de sua cliente, num gesto simbólico, demonstrando o absurdo da acusação, sendo que em verdade quem reproduzia as peças processuais de maneira massificada não era ele, que advogava para a parte vulnerável, mas sim o escritório que o acusava de advocacia predatória.

A advocacia abusiva e as más práticas devem ser sempre coibidas, tanto pela OAB quanto pelo Judiciário, isto é um fato. Contudo, a advocacia de massa, per si, não presume ser a demanda predatória ou abusiva, como tem se tentado vender de maneira recorrente.

Recentemente, o Ministro Moura Ribeiro do Superior Tribunal de Justiça - STJ, no julgamento do repetitivo Tema 1.198, afirmou que:  "Essa litigância de massa, conquanto apresente novos desafios ao Poder Judiciário, constitui, inegavelmente, manifestação legítima do direito de ação" .

A Corte Cidadã reconheceu a possibilidade de o Judiciário exigir documentos bancários, procuração atualizada com poderes específicos, comprovante de residência, dentre outros documentos, para evitar demandas abusivas, mas recomendou cautela aos juízes, pois o risco de excessos não justifica a interdição do poder-dever do magistrado.

Esta lição é fundamental, pois, assim como as ações que buscam indenização por danos morais, com base no desvio produtivo, estão sujeitas a abusos, qualquer tipo de ação pode ser proposta de maneira abusiva, visando benefício indevido, contudo, não se pode presumir má-fé ou perseguir aqueles que exercer legitimamente o direito de ação (art. 5º, XXXV, CR/1988).

Possivelmente o melhor caminho para tratar desta questão – ou de quase todas – seja a cautela. É atribuída ao filósofo romano Horácio a frase: Est modus in rebus, sunt certi denique fines, que se tornou um brocardo jurídico a expressar que deve se ter moderação nas coisas. 

A presunção de boa-fé do advogado não pode ser afastada e a acusação de “advocacia predatória” se tornar banal, sob pena de uma constante desconfiança por parte dos agentes do processo, violação de prerrogativas e criminalização da advocacia. 

A utilização indevida de preliminares de “advocacia predatória” constitui grave acusação que também merecem reprimenda tanto do Judiciário quanto da OAB. Não é uma simples preliminar e não causa ao advogado que recebe a acusação um “mero dissabor”, pois sua honra está sendo atacada de maneira vil.

Há um dito popular, que aprendi desde muito cedo, que diz que: “Para construir um nome leva-se uma vida, para destruí-lo, basta um minuto”.    

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino, faz poucas semanas, externou em Sessão Plenária que não admitia ser chamado de ladrão e que uma manifestação pública neste sentido configura ofensa grave e não mera opinião .

Igualmente, ser o advogado imputado de cometer ato ilícito é grave acusação, não podendo ser normalizada a acusação de advocacia predatória, já tão presente em defesas e em atos judiciais, principalmente em ações de massa.

De maneira conclusiva, entendemos que práticas abusivas na advocacia existem desde sempre, devendo ser combatidas pelos órgãos e entes competentes, sendo que não se justifica a violação de prerrogativas e a presunção de má-fé dos advogados em razão da conduta antiética de alguns.

Ademais, a massificação de ações judiciais é um fenômeno que decorre de vários fatores, sendo que grandes empresas e o próprio Estado contribuem de maneira significativa para o crescimento das demandas judiciais, contando, muitas vezes, com a demora do Judiciário em dar solução aos litígios e com punições brandas.

Por fim, de maneira irônica, apontamos que quando escritórios de advocacia se especializam na defesa destes “Grandes” da sociedade, são louvados pelos seus modelos de gestão e inovação, contudo, se um escritório se especializa na defesa dos vulneráveis, é demonizado como sendo predatório. Como se percebe pela lição de Horácio, os Romanos já sabiam que há de se ter uma medida adequada às coisas (modus in rebus) talvez ainda precisemos aprender.


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