O Duro Ofício da Advocacia na Era da Inteligência Artificial: Como Convencer um Robô?

O Duro Ofício da Advocacia na Era da Inteligência Artificial: Como Convencer um Robô?

Postado em 10/06/2025

Por Emília Queiroz - Mestre em Direito. Advogada. Professora. Diretora de Pós-graduação da Escola Superior da Advocacia de Pernambuco. Presidente da Comissão de Educação Jurídica da OAB-PE


A advocacia é uma profissão marcada historicamente pela argumentação do causídico em prol do convencimento do julgador sobre o melhor direito do seu cliente. E assim foram se formando as grandes bancas e ganhando destaque os grandes tribunos que trouxeram aos auditórios sustentações orais e peças escritas com riqueza de estratégias argumentativas no afã de convencer o julgador pelo discurso profissional.

Falamos de causídicos humanos, usando ferramentas argumentativas para convencer julgadores humanos. Mas, e na era da inteligência artificial, onde os robôs cada dia mais ganham credibilidade de autonomia tanto nos escritórios como nos tribunais, como fica o ofício da advocacia no ponto do convencimento argumentativo?

Certamente os parâmetros são outros. Isso porque os elementos de decisoriedade de um robô são diversos dos de um humano. E, não gastemos tempo nem energia na discussão retórica sobre se a decisão dada por um robô de tribunal tem ou não tem conteúdo decisório, porque tem! Partamos desse pressuposto.

Pois bem, e realidade é que hoje existem mais de 100 robôs nos tribunais nacionais, que diariamente cumprem tarefas diversas na logística processual, tomando decisões com impactos marcantes para o jurisdicionado. E não se pode lutar contra essa tendência, que é positiva processualmente, mas desde que seja operacionalizada corretamente dentro do sistema de garantias processuais já estruturado. É sobre esse ponto nossa preocupação!

 Nesse contexto, a mediação feita pelo advogado outrora era marcada pela articulação argumentativa para a qual foi treinado nas bancas das universidades e nas escolas dos corredores dos fóruns, na lida diária! A tarefa nunca foi fácil, até porque do outro lado é de praxe se ter a contra-argumentarão do colega advogado da parte adversa. Mas, os riscos sempre foram previsíveis e palpáveis, dentro do universo argumentativo comum aos envolvidos na relação dialógica: o julgador e os advogados dos polos distintos. Os símbolos usados nesse circuito são comuns a todos eles.

É o domínio desses símbolos que permite a comunicação entre os partícipes. É o que nos ensina Jürgen Habermas, na sua teoria do agir comunicativo, onde é condição essencial para que haja a comunicação a existência de uma predisposição dos envolvidos para o diálogo e o conhecimento prévio dos símbolos que serão usados no processo. 

Como numa Torre de Babel, se os partícipes explicitarem aleatoriamente signos linguísticos diversos e variados, cujo significado seja desconhecido entre si, a comunicação não será feita.

É nesse ponto que reside o novo desafio da advocacia contemporânea na era da inteligência artificial: como convencer um robô sem conhecer o significado dos símbolos linguísticos pelos quais pelos foram desenhados para se comunicarem?

As escolhas lexicais estrategicamente usadas pelo advogado na sua peça processual de recurso, por exemplo, determinará a decisão do robô do tribunal acerca da sua admissibilidade ou não da impugnação. Ou, em falando do nosso robô Bastião, do TJPE, as escolhas lexicais e estruturais da peça do advogado por determinar a interpretação do robô em catalogá-la como litigância abusiva, e a partir daí dar caminho impactante à sua causa, deveras prejudiciais, inclusive, ao bom nome do causídico no mercado!

Para que não se torne o exercício do processo nos tribunais na era da inteligência artificial uma verdadeira Torre de Babel que fira a garantia fundamental de acesso à Justiça, a solução está exatamente na transparência algorítmica, através da qual o advogado terá acesso ao conhecimento dos símbolos linguísticos que o designer do respectivo tribunal alimentou o seu robô. São esses símbolos desenhados nos robôs que servirão de interface de comunicação com os símbolos que os advogados estrategicamente usarão em suas petições.

Sim, para que se perfaça a comunicação e esta não se vicie em patologia social, nos termos habermasianos, é essencial a transparência algorítmica como precito constitucional de Acesso à Justiça, para que o advogado tenha conhecimento e liberdade de escolha dos símbolos que usará para voltar à argumentar no nível que sempre fez historicamente com os julgadores humanos.

Sobre isso, há uma oportuna Proposta de Emenda Constitucional tramitando no Senado, por iniciativa do senador pernambucano Randolfe Rodrigues (REDE/AP),  n° 29/2023, visando alterar a Constituição Federal para incluir, entre os direitos e garantias fundamentais, a proteção à integridade mental e à transparência algorítmica (tornar acessível e compreensível os algoritmos de aplicativos computacionais), apesar de não ter sido idealizada especificamente para o caso dos robôs dos tribunais, caso vija, solucionará a atual panaceia instaurada pelos vícios de comunicação que estão assolando os partícipes do processo pelo desconhecimento dos símbolos usados. 

Sendo o duro ofício da advocacia a luta pelo convencimento do julgador sobre o melhor direito do cliente, cabe ao causídico lutar para oferecer uma prestação de serviço de excelência.  Na era da inteligência artificial, isso inclui sua qualificação contínua e a luta incessante pelo acesso pleno à Justiça, o que inclui a transparência algorítmica acerca do designe que compor os robôs dos tribunais que têm poder de tomar medidas com carga decisórias. Com isso, não há que falar-se em defasagem da advocacia diante do desenvolvimento tecnológico, que já é realidade e é inevitável ao mundo jurídico, mas na oportunidade de se ter alta performance no seu exercício. Conhecendo os símbolos, a advocacia voltará a ter potencial real de convencimento do julgador robô dos tribunais, melhor servindo ao seu cliente, perfazendo a Justiça!


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